Chamada de Trabalhos | Vol. 12, N.º 1 | Vigilância com, Para Além e Contra o Corpo Biométrico | De 20 de novembro a 24 de janeiro
Editores: Ece Canlı (CECS, Universidade do Minho, Portugal) e Pedro Vieira de Oliveira (Universität der Künste Berlin, Alemanha)
A vigilância, uma das questões éticas, sociopolíticas, jurídicas e tecnológicas mais controversas do século XXI, não só se tornou um tema amplamente debatido nos novos media nas últimas décadas, como também impulsionou a criação de novos âmbitos académicos, como os estudos de vigilância (Ball, Haggerty & Lyon, 2012; Monahan & Wood, 2018), e géneros criativos como a arte da vigilância — também conhecida como “artveillance” (Brighenti, 2010; Monahan, 2017). Por um lado, as tecnologias de vigilância são frequentemente apresentadas no discurso governamental e empresarial dominante sob uma perspetiva tecnohumanista, sublinhando o seu potencial para otimizar o fluxo de tráfego, aumentar a produtividade nos locais de trabalho, melhorar a segurança e a proteção pública, bem como prevenir o crime. Por outro lado, como académicos críticos, investigadores e ativistas dos direitos humanos e dos dados há muito demonstraram, a utilização destes dispositivos e sistemas apresenta riscos significativos, não apenas para indivíduos, mas também para comunidades. Sobretudo para as que estão particularmente expostas à constante monitorização, controlo, categorização e criminalização com base na sua raça, género, classe, sexualidade, capacidade, estatuto migratório ou jurídico (Browne, 2016; Kafer & Grinberg, 2019; Keshavarz, 2024; Saltes, 2013). Entre as preocupações levantadas destacam-se a erosão da privacidade, o potencial uso indevido de dados pessoais, o risco de identificação incorreta, a redução da supervisão humana e do pensamento crítico nos processos de tomada de decisão, bem como a restrição da liberdade de expressão sob monitorização constante — o que pode intensificar uma cultura de medo.
Este debate foi significativamente ampliado com a rápida expansão da Inteligência Artificial e do Big Data, que deu origem a um novo “surveillant assemblage” (Haggerty & Ericson, 2000), em que uma rede descentralizada de tecnologias de vigilância monitoriza, analisa e atua coletivamente sobre dados pessoais. Os corpos e os seus dados tornaram-se a principal moeda desta máquina omnipresente. Este olhar de vigilância penetrante não se limita apenas aos espaços privados e públicos, mas também às fronteiras do corpo, transformando-o num composto sociotécnico. Além disso, a mercantilização dos dados pessoais neste novo paradigma do “capitalismo de vigilância” (Zuboff, 2019) molda os corpos, os comportamentos individuais e as relações sociais de forma tão dramática que exige uma leitura, desconstrução e análise em constante evolução.
Este número especial temático procura, portanto, explorar criticamente o papel das tecnologias de vigilância e os seus impactos materiais nos indivíduos monitorizados, categorizados e discriminados, bem como nos seus corpos físicos, sociais, culturais e políticos. São bem-vindas contribuições interdisciplinares (artigos de investigação, entrevistas e recensões de livros) na intersecção dos estudos culturais com a sociologia, a criminologia, os Estudos de Ciência e Tecnologia, as artes, os estudos dos media, os estudos sonoros, os estudos jurídicos, a ciência política, a literatura e áreas afins. Os tópicos de interesse incluem, mas não se limitam a:
- Genealogias e histórias menores das tecnologias de vigilância e as suas consequências variáveis nos indivíduos e nas sociedades;
- Impactos físicos, cognitivos, mentais e afetivos da vigilância no corpo;
- Tecnologias biométricas (por exemplo, impressões digitais, digitalizações da íris, ADN e reconhecimento facial, da voz, da fala e do dialeto) e o seu papel no policiamento, na definição de perfis e na criminalização dos corpos;
- A intersecção da vigilância com a raça, a etnia e a identidade política;
- A utilização da IA e da aprendizagem automática no controlo da imigração e na segurança das fronteiras;
- Géneros, sexualidades e intimidades sob vigilância;
- Vigilância dos espaços públicos (i.e., aeroportos, campus, ruas e outras áreas urbanas) e as suas implicações nas acessibilidades e no direito à cidade;
- A vigilância por meio de aparelhos privados (i.e., casas inteligentes, dash-cams), a autovigilância (i.e., smartwatches) e as dinâmicas de mudança da visibilidade, invisibilidade e hipervisibilidade;
- A crescente integração das tecnologias de vigilância na justiça penal (ou seja, monitorização eletrónica, ferramentas de avaliação de risco, câmaras de vigilância corporal das forças da autoridade) e a sua ligação a práticas punitivas;
- Drones, verticalidade e formas aéreas de controlo (Weizman 2002; Steyerl 2011) de terras e povos sob ocupação;
- Considerações éticas e de direitos humanos em torno da utilização da tecnologia na vigilância e das políticas locais de proteção de dados pessoais;
- Preocupações relativas a Big Data, direitos de privacidade digital e preconceitos algorítmicos;
- Arte de vigilância, vigilância artística e outras intervenções artísticas;
- Ativismos, movimentos de base e práticas de contravigilância que evitam, desafiam e enfrentam os Estados de vigilância;
- Cenários especulativos pós-vigilância.
Referências
Ball, K., Haggerty, K., & Lyon, D. (Eds.). (2012). Routledge handbook of surveillance studies. Routledge
Brighenti, A. M. (2010). Artveillance: At the crossroad of art and surveillance. Surveillance & Society, 7(2), 137–148.
Browne, S. (2016). Dark matters. Duke University Press.
Haggerty, K., & Ericson, R. (2000). The surveillant assemblage. British Journal of Sociology, 51(4), 605–622. https://doi.org/10.1080/00071310020015280
Kafer, G., & Grinberg, D. (Eds). (2019). Queer surveillance [Special issue]. Surveillance & Society, 17(5).
Keshavarz, M. (2024). Smuggling as a material critique of borders. Geopolitics, 29(4), 1143–1165. https://doi.org/10.1080/14650045.2023.2268528
Monahan, T., & Wood, D. M. (Eds.). 2018. Surveillance studies: A reader. Oxford University Press.
Monahan, T. (2017). Ways of being seen: Surveillance art and the interpellation of viewing subjects. Cultural Studies, 32(4), 560–581. https://doi.org/10.1080/09502386.2017.1374424
Saltes, N. (2013). ‘Abnormal’ bodies on the borders of inclusion: Biopolitics and the paradox of disability surveillance. Surveillance & Society, 11(1/2), 55–73.
Steyerl, H. (2011). In free fall: A thought experiment on vertical perspective. e-flux, 24(4), 42–52.
Weizman, E. (2002, 23 de abril). Introduction to the politics of verticality. Open Democracy. Retirado a 14 de outubro de 2024, de https://www.opendemocracy.net/en/article_801jsp/
Zuboff, S. (2019). The age of surveillance capitalism: The fight for a human future at the new frontier of power. PublicAffairs
Período de submissão de propostas (manuscrito completo): de 20 de novembro de 2024 a 24 de janeiro de 2025
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